Terapia Ocupacional ? Para que???

Posted by on ago 7, 2009 in Uncategorized | 4 Comments

A vida deveria ser mais que seguir comandos; ações e expressões deveriam ser mais que treinamento e um meio para um fim. A vida deveria, em algum momento, ser uma recompensa por si mesma. ” Donna Villiams, uma pessoa adulta, com autismo (1996, pg. 128). Em Autism – an Inside out Approach”.

Não vejo a necessidade de começar por definir autismo. Essa definição está na mídia, com acesso muito fácil. Entretanto, sinto-me obrigada a reiterar o conceito de terapia ocupacional (TO). Recentemente alguém me disse que é uma profissão que não deu certo no Brasil. Não concordo com a observação. Acho simplesmente que a riqueza desta área ainda não foi descoberta pelo público em geral. A culpa é nossa, profissionais, que não sabemos contar o que fazemos. Vou tentar corrigir um pouquinho deste erro contando quem somos e o que fazemos.
Nos EUA a TO é uma das profissões de maior crescimento. Em 2006 a revista Fortune considerou uma das 10 profissões que terá maior crescimento até 2014. A AOTA (Associação Americana de Terapia Ocupacional) usa o slogan “Terapia Ocupacional: habilidades para a arte de viver a vida”. A profissão tem como área central de estudos a ocupação humana. Ocupação envolve desde as atividades da vida diária, tal como vestir-se, alimentar-se, até atividades de lazer e trabalho. Analisa os componentes das ocupações, estuda os fatores que facilitam ou impedem o desempenho e interfere sobre eles, visando melhorar função. Para poder agir sobre a ocupação a formação do terapeuta envolve estudos das áreas de psicologia, sociologia, antropologia, biologia, anatomia, fisiologia, etc. visando entender o desenvolvimento humano sob os diversos aspectos, de uma forma muito abrangente.
Quando se fala em criança, as atividades são obviamente relacionadas à vida diária, ao brincar e à vida escolar. A criança que não brinca não aprende. No caso da TO infantil, o brincar é tanto um objetivo quanto um instrumento de trabalho; é o fim e o meio. TOs interessam-se particulalrmente em ajudar a pessoas a funcionar na sociedade e tornar suas vidas mais significativas.
Ao falarmos em criança com autismo, sabemos que brincar é uma das áreas mais falhas. A inabilidade em brincar é um dos critérios diagnósticos para o autismo. Como a TO pode ajudar nessa área?
Quando pensamos em como aprendemos, sabemos que as primeiras informações que recebemos sobre o mundo nos chegam através dos sentidos, que as mandam para o cérebro, onde uma resposta é preparada. Assim, ao encostarmos a mão em um ferro quente, queima e vamos ser cuidadosos ao tocar um ferro novamente. A partir de todas as informações sensoriais que recebemos vamos construindo respostas que vão ficando cada vez mais sofisticadas.
Nas crianças com autismo essas informações podem chegar com intensidade exagerada ou diminuida. Em qualquer dos casos, a resposta construida vai ser inadequada para a intensidade do estímulo recebido. Assim por exemplo, um som que não incomoda a maioria das pessoas pode causar uma reação de desconforto extremo em uma pessoa com autismo, fazendo com que se desorganize completamente. Seu sistema sensorial recebe uma sobrecarga , que é muito desconfortável. Podem ter um limiar muito alto para dor ou toque, precisando de um estímulo muito forte para que seu cérebro registre o recebimento da informação. Batem a cabeça na parede e não percebem esse estímulo como doloroso. Em outras palavras, o cérebro recebe informações inconsistentes e não consegue organizar respostas adequadas. Isso é verdadeiro também para as informações recebidas sobre movimento, força, distância, etc. Dessa forma, desenvolvem pouca habilidade para antecipar se uma bola está vindo em sua direção, com que velocidade, se vai atingi-los ou não. Fica difícil então agarrá-la e não há motivação para fazê-lo.
As pessoas com autismo têm também muita dificuldade com as praxias, que são muito dependentes de um processamento sensorial bem feito. As praxias, em uma definição muito simplificada, nos dão a habilidade de fazer as coisas, mesmo que não familiares, de interagir com o ambiente. Se eu vejo uma caixa, penso que serve para guardar coisas. Posso também pensar em transformá-la em um berço para a boneca ou em uma nave espacial. Para isso preciso de ideação, que é um dos componentes da praxia. Para a pessoa com autismo as praxias representam uma dificuldade muito grande, tornando-as muito rígidas: uma caixa será sempre uma caixa e somente uma caixa.
A TO para pessoas com autismo apoia-se em um tripé:
1. Enriquecer ou modular a quantidade de informação sensorial que a pessoa recebe, com o objetivo de conseguir respostas mais adequadas do sistema nervoso. À medida que o sistema nervoso consegue modular melhor as informações sensoriais, as respostas vão se tornando cada vez mais ricas, possibilitando interação mais adequada com o ambiente físico e social.Tenta-se conseguir que uma caixa possa vir a ser o que a pessoa quiser que seja.
2. Orientar a família sobre como processamento sensorial afeta o dia a dia das pessoas. Assim, os familiares podem entender que a pessoa come exageradamente porque seus sentidos não comunicam ao cérebro a sensação de saciedade. Ou que comer certas texturas causa um desconforto grande demais. Que usar roupas que não sejam de algodão pode ser muito incômodo. Que a sensação de frio nem sempre é percebida. Que alguns sons são percebidos de forma exagerada e assustam ou irritam muito. A apartir dessas informações, que são muito particularizadas para cada indivíduo, pode-se sugerir modificações ambientais que ajudem essa pessoa a minimizar o desconforto e se sentir mais disponível para interagir.
3. Uma intervenção mais remediadora, em que se ensina habilidades específicas, tais como as habilidades do dia a dia. Pode-se também interferir no brincar da criança e criar “círculos de comunicação” (Greenspan) que se ampliam gradativamente. Assim, ao invés de deixar que a criança jogue objetos constantemente no chão, coloca-se um cesto e consegue-se que ela esteja guardando esses objetos. A intervenção pode ser muito simples ou mais complexa, dependendo de uma cuidadosa observação do repertório de habilidadies da pessoa e dos fatores que interferem em seu desempenho.
Assim, pode-se dizer que a TO contribui para ampliar o leque de habilidades da pessoa com autismo. Favorece sua inserção em um relacionamento com outras pessoas e melhora a qualidade de vida.Respeita a pessoa que já existe e usa seus interesses e experiências como base para criar novos caminhos, brincadeiras, possibilidades. Nosso objetivo é também que as atividades sejam prazerosas, fazendo com que, em alguns momentos, ” a vida seja uma recompensa por si mesma”.

4 Comments

  1. Arlete Tumenas
    28/08/2009

    Heloisa

    Parabéns!!! Que modo sensacional de explicar as dificuldades encontradas nos autistas.

    Arlete

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    • goodrich
      01/09/2009

      Obrigada pelo feedback, Arlete. Nosso objetivo é ajudar a esclarecer o que fazemos como TOs.
      Heloiza

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    • Demelza
      14/08/2014

      Great post with lots of imprntaot stuff.

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  2. Marisa Fusiki
    14/10/2009

    Tenho um filho autista com 04 anos de idade. Ele tem muita resistência em usar sapatos fechados e tênis.Ele tbem não gosta de usar chinelo de dedos.
    Isso tem a ver com o processamento sensorial?existem muitos autistas com esse comportamento em relação aos calçados. O que fazer?
    Se puder me responder, desde já agradeço!
    Marisa

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